sábado, 30 de abril de 2016

fx. 1 – hello, i love you (segunda parte)


         - Em breve as nossas vozes devem ser

            uma, ou um de nós terá de partir.



Com altivez aquela mulher como que nos encostava à parede (inexistente naquela rua por onde passávamos naquele momento). – Vocês não precisam de álcool, fumos, noites em branco, sexo… precisam antes de lucidez, luz, Nomes, vida, amor.



         Estou cansado de pensar.

                            

- Quem te disse a ti o que precisamos ou não precisamos? – despachei eu apreensivo e também preocupado com a dúvida de Jim. Até àquela noite nunca antes tínhamos sequer ficado um instante que fosse a reflectir sobre como dar um sentido à vida. Que sentido? Só sabíamos que o que fazíamos, aquilo que éramos, obedecia às regras que não tinham nunca sido criadas por delas nunca sequer nos termos lembrado. A noite era o Sol da nossa vida. O sexo o alimento que nos fazia sobreviver, suportar e aguentar pelo próximo Sol e os Nomes a única droga que evitávamos sempre de forma espontânea, talvez porque sabíamos desde sempre que o Sol nunca usa a mesma trajectória exacta dois dias seguidos. Em tantos anos e tantas noites como aquela nunca nas outras tínhamos perdido segundo e meio sequer a debruçarmo-nos sobre o modo de encarar a vida. Muito menos imaginaríamos que pudesse ser aquela mulher, fruto do acaso como tantas outras que já tinham passado por nós nas mesmas circunstâncias, que nos iria alertar para essa situação. Jim e eu não temos idade. Nunca tivemos, nunca teremos. Conhecemo-nos sem nos lembrarmos sequer desde quando e ficaremos juntos até quando for. Eu sou Ele, Ele é Jim, os dois somos um e cada um de nós tem a sua atitude, o seu modo de encarar as situações, contudo quase nunca diferentes na forma de as olhar e abordar. Somos irmãos de sangue, gémeos verdadeiros filhos de pais diferentes. Ele é ruivo, eu sou moreno, Ele é alto, eu sou baixo. Ele é Jim, eu sou eu. Mas somos iguais.



         E vim ter contigo

                        à procura de paz

            E vim ter contigo

                        à procura de ouro

            E vim ter contigo

                        à procura de mentiras

            E deste-me febre

                        & sabedoria

                        & gritos

                        & dor

            & estaremos aqui

                        no dia seguinte

                        no dia seguinte

                        &

                        Amanhã



sei bem o que nos esperava. O mesmo de todos os dias. Ou de todas as noites, digamos assim. Só aquela mulher não tinha entendido. Mas como poderia? Não nos conhece de lado nenhum. Não sabe quem é Jim. Nunca me viu antes. Quem pensa ela que é? Para onde nos quer levar? Continuo apreensivo naquele momento, mas curiosamente Jim não e isso ainda me deixa pior. Até ali eu era aquele que mais rapidamente se deixava arrastar. Jim sempre fora o mais firme. Sempre fora Ele que guiara e não o contrário. Quanto muito deixava-me pegar no volante quando se sentia dominado por alguma das fraquezas naturais que apoquentam o ser humano depois de muitos excessos e longas horas desafiando a ordem natural das coisas. Não mais que isso. Daí aquele estranho momento que se confunde com o sentimento. Tudo o que eu digo está certo. Tudo o que eu penso é adequado. É como se Ele pela primeira vez não estivesse ali verdadeiramente presente. E Jim não é tipo para adormecer primeiro que eu. Poderia estar enfeitiçado? Talvez aquela mulher lhe tivesse rogado alguma praga ou lhe tenha dado alguma coisa para ingerir que eu não reparei. Ou, quem sabe, Jim esteja simplesmente a fraquejar. Nem dei conta do quanto andei até ao momento em que ela me desperta dos meus pensamentos – é aqui que vivo. – Olhei em volta e vi que Jim ainda estava extasiado com o que observava. – Esta é a rua do amor.

                                                                             (continua)


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