Quando me aproximei da
entrada do pequeno bar, exceptuando a ausência de nevoeiro, tudo me pareceu
exactamente na mesma como na véspera. Ainda hesitei por momentos. Ocorreu-me
que poderia ser um abuso da minha parte dirigir-me ali mais uma vez sozinho.
Afinal, aquele espaço era, acima de tudo, a casa do António. O barulho que vinha
do interior era também o mesmo mas desta vez eu já sabia que era apenas da
televisão – corridas de cavalos, quase de certeza.
Quando, finalmente, decidi
que devia bater à porta acabei surpreendido com a sua brusca abertura e com a
presença de rompante do António que me assustou e fez com que perdesse o
contacto com o chão.
- Ah, és tu! Gostaste
de cá estar, hein? – vociferou aceleradamente.
- Não quero incomodar –
respondi.
- Que conversa é essa?
Para gente amiga esta casa está sempre aberta – atirou em três tempos – só que
eu tenho que ir lá abaixo a São Martinho do Porto para falar com uma pessoa.
- Mas está tudo bem? –
perguntei depois de perceber uma expressão carregada e de preocupação no rosto
do António.
- Nem por isso. Aconteceu
uma coisa estúpida. Estava ali nas calmas a ler o jornal, tocou o telefone e
deram-me a notícia de dois tipos com quem trabalhei que morreram… uma merda,
pá... Dois homens bons. Um era daqui, a miúda dele trabalha ali… tenho que ir
lá abaixo falar com a família.
- Quer que vá consigo?
- Obrigado, não vale a
pena, eu vou lá num instante, deixa-te ficar por aqui. Vieste beber um copo e é
isso que vais fazer. A casa é tua, aliás, a garrafa que ontem não despejaste
ainda está no mesmo sítio… e o copo também. Por isso, serve-te, que eu não
demoro – atirou visivelmente nervoso.
Resolvi entrar depois de
ver desaparecer o seu carro em grande velocidade no meio daquela escuridão da
serra. Fechei a porta e, imediatamente, percebi que no mesmo banco, na mesma
posição e a ver exactamente a mesma programação televisiva, estava o sujeito da
noite anterior. Estranhei que o António não tivesse mencionado o facto de estar
outra pessoa naquele espaço, mas não me preocupei muito por isso. Larguei as
chaves do carro em cima do balcão ao lado de uma espécie de bloco de notas que
se encontrava aberto e onde era possível observar alguns rabiscos. Disse
boa-noite mas talvez por causa do barulho que saía do televisor não ouvi
resposta alguma.
Ao sentar-me consegui ler
o que estava escrito naqueles apontamentos. Eram palavras soltas: pescadores
portugueses… um madeirense… afogados ao largo do Cabo… acidente… António de Jesus Castro… São Martinho do
Porto… dono da embarcação… João Olegário Tomás… Paul do Mar… Slangkop/Scarborough… uma semana… decorrem
buscas… seis mortos… Ao ler aquelas anotações soltas recordei-me do que
António me tinha contado sobre os muitos momentos de terror passados em alto
mar. Livrou-se de boa, pensei.
Afastei um pouco o bloco e reparei, tal como tinha dito, que ali estavam em cima
do balcão o copo que eu tinha usado e a mesma garrafa de uísque. Precisamente
no mesmo sítio. Servi-me. Acendi um cigarro. Tentei distrair-me a olhar para a
televisão, para aquelas corridas de cavalos que mais pareciam não ter fim mas
cansei-me depressa e optei por me perder a observar detalhadamente as muitas
fotografias que estavam penduradas na parte interior do balcão e que coabitavam
com as garrafas nas prateleiras. Em todas estava o António, bastante mais novo,
sempre acompanhado por outros homens. Curiosamente, reparei que era sempre o
mesmo que se apresentava ao seu lado em todas as fotografias. Talvez um grande amigo, pensei.
Ao fitar com redobrada
atenção a cara daquele parceiro do António senti algo de estranho. De repente,
pareceu-me alguém que eu conhecia, não me lembrava era de onde.
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